sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Sobre o Amor


Talvez você se lembre da Camila de Castro, uma jovem mulher transexual aclamada pela mídia por sua beleza. Ficou conhecida do grande público ao aparecer no programa de televisão Superpop, apresentado pela Luciana Gimenez, em que participou de um quadro para conhecer um pretendente. 

No dia 27 de Julho de 2005, no auge de sua juventude, aos 23 anos, Camila cometeu suicídio. Na época eu tinha 16 anos e já tinha uma identidade transgênero (ou como eu prefiro chamar, gênero livre) e me lembro da repercussão do triste fato em algumas comunidades do Orkut que eu participava, onde circulava o texto da carta que Camila deixara, na qual lamentava a solidão afetiva que vivia por ser transexual num mundo que parece nos amar apenas às escondidas e não ter critérios para nos odiar. Camila tinha um namorado por quem era apaixonada mas não via possibilidade de que o amor dos dois pudesse evoluir para se tornar uma relação que pudesse acontecer além da intimidade, do sigilo, dos limites impostos pela discriminação.

Quinze anos se passaram, de lá pra cá tive 6 relacionamentos, o primeiro sendo um típico namoro de adolescente, sequer havia relação sexual,  mas vou contá-lo como válido porque todos os meus namorados me assumiram.

Desde que circulo na comunidade trans conheço casos de namorados que se relacionam publicamente, mas mesmo assim a realidade de muitas meninas é a mesma de Camila, e mesmo nós com a sorte de ter tido relações que fogem à esta regra, passamos por dificuldades em comum, geradas pelo preconceito, pela maneira estigmatizada com que nós somos malvistas. Claro que todos os casais, mesmo o de pessoas consideradas normais passam por dificuldades, muitas são as barreiras que colocam no amor, as vezes um casal cisgênero e heterossexual pode ter a relação desencorajada e sabotada pelos familiares por diversos motivos como classe social, ocupação profissional, etnia, e toda sorte de caprichos, as dificuldades, e os "dificultadores" rs, fazem parte da vida, e uma postura de vítima, de passividade, não ajuda em nada, eu cresci numa época em que era comum dizermos frases como "im the best, fuck the rest", e outras afirmações de autossuficiência e rebeldia em relação ao status quo, e acho que uma dose moderada de "foda-se" é remédio contra muitos males cotidianos de pequena ordem. A transfobia, e todas as formas de discriminação não são brincadeira, tem consequências terríveis, como a morte de Camila, e devem ser combatidas, mas combate se faz com ânimo e disposição, não com vitimismo, a vitimização é o resultado esperado pelo opressor, por isso eu defendo que mimimi não é ativismo, e que o melhor ativismo é aquele consciente, planejado, lógico, que considera as realidades de todos os envolvidos e que, com base numa linguagem inteligível a todas as partes, busca estabelecer um diálogo que proponha uma mudança, demonstrando que como humanidade não existe isolamento, que, em maior ou menor grau, estamos todos conectados e podemos nos influenciar, o bem é universal e o mal que afeta um indivíduo ou uma comunidade pequena pode prejudicar mesmo quem não se enquadra na mesma, porque afinal de contas não somos montanhas, nos movemos e vivemos num contínuo ecossistema de mutualidades. 

Apesar dos pesares sigo otimista, semeando ideias e somando forças ao desenvolvimento ético da nossa espécie e da construção de uma sociedade acolhedora para todas as pessoas, em que elas possam ter oportunidade de viver plenas. Nem todas as pessoas cis que sentem atração e afeto por pessoas trans assumirão isto, por diversos fatores, mas que estas, enquanto seres humanos lidando com outros seres humanos, capazes de compreender os anseios, necessidades e limitações que temos enquanto espécie, pelo menos ajam com integridade e não perpetuem o que quer que seja prejudicial à essa evolução rumo à este ideal de sociedade, isso está ao alcance de todos. E se não for pedir muito, seja gentil sempre que possível!

11 de Dezembro de 2020

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